Fintechs movimentam R$ 28 bi em esquema de lavagem de dinheiro
Nos últimos seis anos, duas das principais facções criminosas do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), movimentaram a impressionante quantia de R$ 28,2 bilhões. Essa bolada foi alcançada por meio de fintechs e com a ajuda de criptomoedas, conforme um levantamento realizado pelo Jornal O Globo, com dados da polícia e do Ministério Público.
O PCC e o CV souberam se aproveitar da “fintechização” do Brasil. Com a explosão dos bancos digitais, muitos deles acabaram passando despercebidos pelo Banco Central (BC). Em resposta, a autoridade reafirmou seu compromisso de supervisionar e aprimorar a regulação das instituições financeiras para evitar que criminosos utilizem essas plataformas.
O estudo aponta que, entre as mais de 1.500 fintechs operando no país, a tecnologia trouxe não só mais acesso bancário e competitividade, mas também abriu portas para a lavagem de dinheiro do crime organizado. Alguns bancos digitais estão sendo investigados após a identificação de práticas suspeitas, conforme relatado na pesquisa.
O promotor Fábio Bechara, do Ministério Público de São Paulo, analisa que as fintechs estão substituindo métodos tradicionais de lavagem de dinheiro, como o dólar-cabo. Isso acontece por conta dos riscos, como assaltos e apreensões, que envolvem a troca de moedas através de doleiros. Assim, o uso dessas novas tecnologias se torna mais atraente para atividades ilícitas.
No Rio de Janeiro, investigações da Polícia Civil revelaram que o Comando Vermelho, em parceria com o PCC, recorreu a um banco criptográfico para movimentar dinheiro sujo. Lincoln Gakyia, um promotor que já investiga o PCC há mais de 20 anos, acredita que essa abordagem é mais vantajosa do que o uso de “laranjas”. Isso acontece porque os bancos digitais oferecem a possibilidade de compra de criptomoedas, que podem ser negociadas globalmente, tornando a rastreabilidade mais complicada.
Antonio Nicaso, um professor da Universidade Queens no Canadá e autor do livro “Máfia Global”, observa que, ao longo dos anos, o crime organizado tem se adaptado. Em 2018, um traficante brasileiro foi interceptado em uma ligação na Itália, recusando pagamento em Bitcoin. Hoje, tanto o PCC quanto a Ndrangheta, a máfia do sul da Itália, estão cada vez mais atentos às novas tecnologias e têm investido em criptomoedas e exchanges clandestinas.
A reportagem também destacou como o fracionamento de transações — tanto em dinheiro quanto em criptomoedas — tem sido uma estratégia usada para dificultar o rastreamento. Além disso, o uso de “contas bolsão” em fintechs permite a criação de diversas subcontas, todas sem vínculo com bancos oficiais. O delegado da Polícia Federal, André Ribeiro, alerta que essas práticas tornam o problema maior, pois facilitam a camuflagem de valores provenientes de atividades criminosas dentro do sistema financeiro.
Recentemente, a Justiça decidiu levar o Faraó dos Bitcoins e mais 11 réus a júri popular por envolvimento no assassinato de um concorrente, um desdobramento que reforça a complexidade desse cenário.