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Cripto amadurece: do “not your keys” à governança

No mundo das criptomoedas, ouvimos o famoso ditado “não são suas chaves, não são suas moedas” com frequência. Esse conceito é essencial para a soberania digital. Porém, à medida que o setor evolui e instituições tradicionais começam a se envolver — como com a aprovação de ETFs de Bitcoin e o crescimento da tokenização de ativos reais — surge uma questão ainda mais importante: quem comanda os processos e dados que garantem a segurança desses ativos?

Embora a Web3 promova a ideia de liberdade individual, o setor corporativo segue outro caminho, focando na responsabilidade auditável. Se o mercado cripto quer deixar para trás a imagem do “Velho Oeste” digital e se estabelecer como uma infraestrutura financeira global, ele precisa se alinhar com estruturas que há anos sustentam o sistema financeiro tradicional.

Vamos explorar três pilares que são fundamentais nesse contexto.

O Alicerce da Governança: DAMA-DMBOK

O DAMA-DMBOK (Data Management Body of Knowledge) é uma referência mundial em governança de dados. E não se trata apenas de armazenamento; o DMBOK ensina como os dados devem ser tratados como ativos estratégicos, com ciclos de vida, qualidade, segurança e responsabilidade bem definidos.

Esse framework organiza a governança em 11 áreas de conhecimento, com a Governança de Dados no centro. Para plataformas de troca, DAOs e emissoras de stablecoins, ignorar esses princípios é arriscar a operação e a legalidade do negócio.

Propriedade de Dados: Corporativa vs. Web3

Aqui surge uma das maiores confusões do mercado cripto. No DAMA-DMBOK, a “Propriedade de Dados” não significa ter a posse física; trata-se de accountability. O responsável pelos dados deve garantir qualidade, segurança e uso (como os dados de KYC), enquanto um gestor executa a governança no dia a dia.

Na Web3, o conceito é mais técnico: quem possui a chave privada controla tudo. A propriedade é literal. O desafio aparece quando projetos que não são totalmente descentralizados tentam operar em um ambiente Web3 sem seguir a governança corporativa. Em exchanges centralizadas, o CEO ou CISO deve ser responsável pelas chaves mestres. Quando essa função falha — como aconteceu com FTX e Celsius — os fundos desaparecem. E isso não acontece por mágica, mas pela falta de governança de dados e uma separação clara entre ativos próprios e de clientes.

A Camada de Defesa: NIST Cybersecurity Framework

Enquanto o DMBOK estabelece quem é responsável pelos dados, o NIST Cybersecurity Framework (CSF 2.0) orienta como protegê-los. No mercado cripto, onde as transações são irreversíveis, segurança não é apenas um “plus”; é a essência do negócio.

O NIST divide a segurança em cinco funções essenciais:

  • Identificar: mapeamento dos ativos críticos, como wallets e acessos.
  • Proteger: implementar controles de acesso, técnicas de proteção como MPC e segregação de funções.
  • Detectar: monitoramento contínuo e identificação de anomalias on-chain.
  • Responder: planos de ação para incidentes e comunicação em crises.
  • Recuperar: assegurar a continuidade operacional, disponibilizar seguros e certificações de reserva.

Sem o NIST, a governança proposta pelo DMBOK perde força, pois tanto os dados quanto os ativos ficam expostos.

A Camada Regulatória: FATF e a Travel Rule

Com o DMBOK e o NIST cuidando da parte interna, a FATF (Grupo de Ação Financeira) estabelece normas para integração com o sistema financeiro global. No universo cripto, a diretriz mais importante é a Travel Rule.

Ela exige que VASPs (prestadores de serviços de ativos virtuais) compartilhem informações sobre a origem e o destino de transações que ultrapassem determinados valores (normalmente USD 1.000). O desafio é claro: a governança não é uma escolha. Sem uma estrutura robusta de dados, um VASP corre o risco de ser excluído do sistema bancário tradicional. A Travel Rule exige que o setor cripto adote padrões de dados, além de rastreabilidade e interoperabilidade — princípios centrais do DMBOK e do NIST.

A Convergência Inevitável

O mercado cripto está em um processo de transformação, indo da especulação para uma infraestrutura sólida. Nessa nova fase:

  • Governança (DMBOK) define responsabilidade e integridade dos dados.
  • Segurança (NIST) protege ativos e sistemas.
  • Compliance (FATF) assegura a conformidade regulatória.

A verdadeira soberania digital do século XXI vai além de ter a chave privada; envolve operá-la em um ambiente com governança clara, segurança auditável e conformidade respeitada. Projetos que perceberem que gestão de dados é gestão de ativos estarão entre os vitoriosos da próxima década, enquanto os que não se adaptarem servirão de exemplo do que não fazer.

Rafael Cockell

Administrador, com pós-graduação em Marketing Digital. Cerca de 4 anos de experiência com redação de conteúdos para web.

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