Rússia recorre a criptomoedas do Quirguistão para contornar sanções
Indivíduos e grupos da Rússia têm encontrado no Quirguistão uma forma de escapar das sanções internacionais, usando o ecossistema de criptomoedas disponível no país. Isso foi revelado por uma pesquisa da TRM Labs, uma empresa britânica especializada em inteligência em blockchain.
De acordo com o estudo, o Quirguistão se tornou uma espécie de fachada para plataformas e serviços de criptomoedas associados à corretora russa Garantex. Esta corretora foi fechada em março após uma operação global. A análise mostra que há um fluxo significativo de transferências entre entidades russas e plataformas quirguizes, incluindo transações que envolvem a stablecoin A7A5. Essa criptomoeda tem sido usada para transferir fundos da Garantex para outra corretora, a Grinex, localizada no Quirguistão.
Outro ponto que chama a atenção é que várias plataformas no Quirguistão compartilham os mesmos endereços residenciais, contatos e até fundadores. Isso gera uma suspeita de que muitas delas possam ser empresas de fachada. Na verdade, a pesquisa afirma que a grande maioria das atividades de criptomoedas no Quirguistão está relacionada a entidades russas. Para se ter uma ideia, antes da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, o mercado de criptomoedas no Quirguistão era “praticamente inexistente”.
Crescimento repentino
No início de 2022, o governo do Quirguistão aprovou uma legislação que reconhece as criptomoedas como propriedade. Essa mudança, aliada à demanda crescente da Rússia, impulsionou o setor cripto no país, que viu os provedores de serviços de ativos virtuais movimentarem impressionantes US$ 59 milhões em 2022. Nos primeiros sete meses de 2024, esse número saltou para incríveis US$ 4,2 bilhões.
É importante frisar que, apesar do crescimento, a especialista Isabella Chase, da TRM Labs, observa que não há indícios de uma adoção significativa das criptomoedas pela população local. O que se vê é uma movimentação que parece ser uma extensão das atividades da Rússia. Algumas plataformas no Quirguistão, como Grinex e Meer, têm conexões diretas com corretoras russas, facilitando transações do rublo para o cripto, utilizando stablecoins associadas à Rússia.
Além disso, entidades que contornam sanções, como o grupo paramilitar Rusich Group, têm utilizado essas plataformas, registrando carteiras na Envoys Vision Digital Exchange (EVDE). A pesquisa mostra que a EVDE, assim como outras corretoras, está conectada a empresas de logística e instituições financeiras na China, indicando que o Quirguistão está ajudando a Rússia a adquirir suprimentos críticos, como semicondutores e drones.
Em números, o comércio entre o Quirguistão e a Rússia somou US$ 3,5 bilhões no último ano, com as importações para a Rússia através de países como o Quirguistão atingindo US$ 20 bilhões apenas na primeira metade de 2023. Outro dado interessante é que as exportações chinesas de 45 bens de uso dual para o Quirguistão e Cazaquistão aumentaram 64% entre 2022 e 2023, alcançando US$ 1,3 bilhão.
Apesar de todo esse crescimento, atualmente há mais de 126 provedores de serviços de ativos virtuais licenciados no Quirguistão, e o Ministério das Finanças está trabalhando em uma stablecoin nacional atrelada ao dólar americano, chamada USDKG.
Desafios na governance
Por outro lado, qualquer avanço nesse setor pode ser afetado pelo ambiente político do Quirguistão. Altynai Myrzabekova, da Transparency International, aponta que o cenário político do país apresenta mecanismos frágeis de controle e um aumento do poder executivo. Isso cria vulnerabilidades que podem ser exploradas para atividades financeiras ilícitas.
Myrzabekova destaca que o Quirguistão enfrenta sérias preocupações com a transparência e integridade do setor público, tendo obtido uma pontuação de apenas 25 em 100 no Índice de Percepção da Corrupção de 2024 da Transparency International. Sem salvaguardas e medidas mais rigorosas, o país se mantém suscetível à exploração por agentes corruptos e entidades sancionadas.